segunda-feira, 10 de novembro de 2008

AS FONTES DE FINANCIAMENTO - RECEITAS EXTRAORDINÁRIAS - TÍTULOS DE FUNDO SOCIAL - ANTECEDENTES HISTÓRICOS - DIREITOS BÁSICOS INERENTES

(Capítulo VII do livro "Clube Empresa - Preconceitos, Conceitos e Preceitos" Ed. Sérgio Fabris, 2000)

No caso-espelho admitido até aqui como referencial, verifica-se ainda que o clube arrecadasse, no exercício questionado, valores advindos da alienação de Títulos de Fundo Social, auferindo importâncias correspondentes a um percentual de 1,29% sobre o total de receitas.
Embora irrisórios, vale a pena examinar-se mais detidamente essa conta e sua origem, visto a grande importância, não financeira nem econômica, mas jurídica, que terão os respectivos investidores, chamados sócios patrimoniais, na nova formatação política das agremiações, decorrente de recente legislação, assunto central desta obra, adiante abordado.
Essa análise comporta uma regressão histórica que se passa a fazer.
A maioria, senão a totalidade, das grandes corporações esportivas de futebol até hoje existentes no país nasceu no fim do século passado e no inicio deste, tendo seus diplomas constitutivos, bem como as primeiras alterações, naturalmente redigidos de acordo com a legislação vigente, moldada pelos ideais olímpicos, cujos jogos, alçados aos lindes mundiais, recém haviam sido retomados depois de séculos de ostracismo. Isto ocorreu, também, porque as atividades delas, em si, eram meramente lúdicas e recreativas. Quando, numa fase mais adiantada, mas ainda no primeiro quartel deste século, passaram a ser competitivas, vincularam-se naturalmente ao amadorismo, como os demais desportos. O seu patrimônio, mobiliário e imobiliário, quase sempre de modestas proporções, formara-se, não raro, através de doações, muitas vezes (a maioria) efetuadas por órgãos públicos. Sustentavam-se de forma cooperativada e, por isso mesmo, com escassos recursos, angariados da contribuição módica de seus associados, todos pertencentes a uma só categoria (efetivos), ou de donativos esporádicos, inteiramente destinados à conservação e manutenção de seus espartanos haveres, quando existentes, bem como à preservação de seus fins sociais, dispensando-se quaisquer outras fontes, por desnecessárias. Os atletas que nelas militavam eram recrutados no quadro social ou a si vinculados por simpatia.
Nessas condições, configurou-se natural que, pelo menos até o tempo do Estado Novo, os estatutos dessas entidades adotassem o molde de associações, isto é, sociedades civis sem fins lucrativos, absolutamente vinculados aos preceitos da matéria, informados, nesse tempo, pelo Código Civil de 1916. Aliás, é preciso deixar claro, de antemão, que a legislação mestra regente da atividade jamais conteve dispositivo algum que obrigasse as agremiações a adotarem esse tipo jurídico. Com o advento do profissionalismo, mais ou menos coincidente com a eclosão da Segunda Guerra, tiveram elas que, para se manterem na atividade, deixar de contar exclusivamente com atletas provindos do seu corpo social, sob o risco de sucumbirem no contexto onde existiam
Data dessa época (1941) o primeiro diploma legislativo consistente sobre o desporto no Brasil. Obrigadas a qualificarem suas equipes representativas nos níveis reclamados para a conquista de vitórias nos jogos e torneios que passaram a suceder-se, foram impulsionadas a perseguir a captação de atletas melhor aparelhados para tal, os quais estavam em oferta no mercado em formação a preços inalcançáveis para os esquálidos orçamentos de então. Evidencia-se que, ao adquirir o atleta, a associação não só se onerava pelo vínculo (passe) obtido da entidade vendedora, mas, igualmente, pelo suporte de seu custo laboral, traduzido em luvas, salários, encargos e etc.
Por outro lado, o patrimônio se bipartiu: além dos bens físicos dele natural e materialmente integrantes, passou a incorporar também os imateriais, compostos dos “passes” conquistados.
Desde então - faz isto mais de cinqüenta anos - a prática e a administração do futebol, neste país, abandonaram a seara civil. De fato, impossível repartir entre os filiados, cooperativada e permanentemente, o custo não só de sustento de um patrimônio desse jaez, como ademais requerente de investimentos contínuos e sistemáticos na sua configuração.
A notável atração pública por esse esporte, desenvolvida a partir do profissionalismo, quando não despertada por ele, e a renovação dos conceitos desportivos advindos da nova ordem, com sua explícita reversão dos ideais helênicos, redundou na caducidade dos sistemas de gerenciamento financeiro da atividade, até então utilizados pelas associações envolvidas. A economicidade dessas passou, então, pelo seu primeiro estágio, nesse meio século de futebol profissional no Brasil. Embora, de acordo com seus estatutos, atingissem seus fins sociais no simples e exclusivo desenvolvimento e estímulo da educação física e, particularmente, do esporte a que se dedicavam, tiveram de passar a sustentar-se, além das entradas cooperativadas ordinárias, advindas de seus associados, também com as rendas dos espetáculos em que envolviam sua equipe representativa. Formou-se, por isso, um elo contínuo e sem fim: para a obtenção de melhores rendas - e conseqüentemente o interesse de maior público – teriam de ser proporcionados espetáculos mais atraentes; para realizá-los, impunha-se estimular o aprimoramento técnico nos quadros representativos; para alcançá-lo, somente com atletas de elite, cuja captação, por sua vez, demandavam sempre mais encorpados e significativos investimentos e custos que só podiam ser cobertos com melhores rendas e etc. ...
Por curiosidade, realce-se que até hoje, tantos anos passados, o ponto de equilíbrio econômico dessas instituições gira, para os administradores respectivos, em torno da equação estabilidade-investimento, isto é, estrategicamente ou se prioriza a primeira para depois se realizar o segundo, ou se privilegia este último para alcançar a primeira.
A administração desses processos competitivos passou, por tudo isso, a representar um verdadeiro negócio de risco, envolvendo mercados definidos, cujos indicativos econômico-financeiros em nada se diferenciavam dos praticados pelas sociedades mercantis que se dedicavam (e se dedicam) à promoção de espetáculos artísticos de qualquer natureza.
Essas arrecadações - sobre as quais já dissertou-se no Capítulo III retro - constituem-se, sem dúvida, em extraordinárias perante aquelas outras provindas das contribuições sociais, as ordinárias. Elas, todavia, não se mostraram bastantes ainda à cobertura total dos novos custos.

Uma segunda fonte extraordinária de subsídios então manejada pelos clubes - também já referida naquele Capítulo - resultou do próprio sistema profissional recém instaurado: constituiu-se no negócio especulativo com os valores aquisitivos de atestados liberatórios de atletas.
Viu-se ali que rapidamente o pudor e o preconceito de velhos dirigentes relativamente à natureza do vínculo clube-atleta se desvaneceu: os conceitos éticos provenientes do assento olímpico e civil das entidades deixaram de ser cogitados ante a iminência da mais-valia do passe dos jogadores, algo que, meio século depois, determinou o aparecimento, em todo o mundo, de empresas e empresários, intermediários em geral, dedicados à sua exploração.
A terceira dessas fontes, extraordinária também, constituíu-se naquela que serve de tema a este capítulo. Passaram os clubes a captar e a obter recursos através de forma anômala de sustentação - porque infringente tanto à sua natureza jurídica quanto, principalmente, aos dispositivos da lei regente da matéria - consubstanciada na venda ao público em geral de participações fragmentárias em seus patrimônios (em grande parte dos casos recebidos em doação, o que tornou o expediente ainda mais irregular), através da emissão de títulos representativos de parcelas deles (Fundo Social).
Essas obrigações tituladas, no entanto, quando surgiram, não tinham por escopo suprirem com seus valores o caixa simplesmente. Portavam fins mais elevados. É que, no intuito de implementarem o desenvolvimento do desporto, as sociedades futebolísticas desde sempre ambicionaram poder praticá-lo em estádios próprios, adequados à demanda sempre crescente do interesse a ele demonstrado pela população em geral e por seus aficionados em particular. Como entidades sem fins lucrativos, dotadas de rarefeita receita social, impossível se lhes tornava essa empreitada pela óbvia falta de recursos suficientes, seja para adquirir os terrenos, seja para erigir as obras.
Alguns desses clubes tiveram uma parte do problema solucionado, através da doação de áreas efetuada pelo Poder Público. Outras tiveram de havê-los de particulares, via negócios imobiliários convencionais.
Para a consecução do projeto de obter as vultuosas quantias necessárias ao alcance de tais ambições, verdadeiros desafios, as agremiações, num e noutro caso, indistintamente, houveram por bem, à revelia de sua natureza jurídica e a despeito da total incompatibilidade da providência com seus fins sociais, emitir e lançar ao público, no mercado de balcão, obrigações de sua responsabilidade, expressas em cártulas e lastreadas, evidente e fundamentalmente, nesses bens compromissados adquirir em aquisição ou adventistas, bem como, em certos casos, nos demais que porventura tivessem, tudo a contento do que se estipulasse contratualmente. Para tanto, segmentaram o montante desses patrimônios em parcelas ideais e, depois de atribuir-lhes o valor fragmentário correspondente, fizeram-no representar por papéis que denominaram “Títulos de Fundo Social” ou “Patrimoniais”.
Ora, nesses empreendimentos, a sociedade civil sem fins lucrativos, por não ter como objeto social este tipo de atividade nem a sua exploração comercial (jogos desportivos, locações e etc.), ao captar valores dessa forma junto ao público, não importa quem e sob que emulações, agiu (e age) mera e indiscutivelmente como incorporadora, restando os aplicadores como os efetivos senhores dominiais dos bens incorporados, se bem que não exatamente no molde previsto no diploma legal da espécie (Lei 4.591, de 16/12/64). Os aplicadores, inobstante, restam como efetivos senhores dos bens incorporados, vale dizer, estádios e todo o acervo correlato e complementar havido nessas condições, se, para o global do patrimônio - e não apenas para o campo de jogo - servissem os aportes. Isso quer dizer que os verdadeiros donos desses patrimônios, tidos como “do clube” - exceção feita àqueles próprios havidos por concessão pública - são os portadores desses Títulos de Fundo Social. Sócios entre si e não simplesmente associados da agremiação, deveriam os estatutos conferir-lhes os direitos especiais inerentes a essa condição, inclusive e principalmente os políticos, coisa que não o fizeram, nem o fazem na sua generalidade, eis que, desde há muito tempo, as elites dirigentes usurparam desses efetivos senhores dos ativos os poderes de administração, gerenciamento e disposição dos bens e interesses sociais. Isto materializou-se através da admissão estatutária - a bem da verdade, respaldada na gelatinosa legislação que veio a reger a matéria - do exercício do direito de voto igualitário por todas as categorias sociais, o que passa pelas dos simples contribuintes, além dos aprazamentos condescendentes (de ação eleitoral) e situações fáticas privilegiadas (controle dos registros sociais - Secretarias/Tesourarias).
A Deliberação 72/53 do CND, de 04/09/53, em seu item 31, estabelecia que nas entidades desportivas não poderia haver distinção de classe ou categoria, para efeito de votação, dispondo cada entidade ou cada associado de um voto apenas, quer nas assembléias gerais, quer nos Conselhos Deliberativos. A Portaria nº 618, de 09/09/53, veio aprovar aquela Deliberação, impedindo, dessa forma, a adoção do critério plural de votos. Como se tratasse, no entanto, de matéria controvertida, resolveu o Ministério da Educação suspender os efeitos da dita Portaria, conseqüentemente, os da Deliberação 72/53, até que uma Comissão que foi designada concluísse os estudos e opinasse a respeito, tudo como consta da Portaria 747, de 07 de outubro de 1953.
A questão, em realidade, sempre provocou amplos debates e opiniões divergentes, tendo sido objeto, inclusive, de um Parecer de Pontes de Miranda, em dezembro de 1952, no sentido de considerar legítima a intervenção do CND ao exigir, nas disposições estatutárias das entidades e associações esportivas, o imperativo voto unitário.
No decorrer do ano de 1964, vários clubes filiados à Federação Carioca de Futebol fizeram uma representação ao CND, pleiteando a revigoração do mandamento a respeito do voto unitário dos associados (Processo 80/64). Pelo voto do relator (substituto) de mérito da questão, Valed Perry, a competência do CND para regular tal tema ficava reconhecida. Todavia, recomendava-se que cada entidade resolvesse a questão via seus estatutos internos.
O assunto, entretanto, não chegou a ser votado pelo Plenário naquela ocasião, quedando-se, assim, órfão até hoje de tutela institucional, legal ou normativa, restando regrado exclusivamente pelos diplomas particulares das agremiações, até porque o Decreto 80.228, de 25/08/77, que regulamentou a chamada Lei do Desporto Nacional (6.251, de 08/10/75), em seu Artigo 87, embora estabelecendo que nessas os associados devam ter iguais direitos, deixou a critério do acordo interno de cada uma a atribuição de vantagens especiais a certas categorias, no entanto ali não especificadas.

De outra parte, a proscrição dos proprietários desses Títulos de Fundo Social dos organismos dirigentes dos clubes de futebol no país teve um outro fator de estímulo, além do interesse obstrutivo da casta dirigente. É que, através dos dispositivos do Artigo 1º do Decreto 82.877, de 18/12/78, que deu nova redação ao § 2º do Artigo 110 do Decreto 80.228, de 25/08/77, retirou-se à categoria em geral a possibilidade de, nos clubes, comporem, como membros natos, os seus Conselhos Deliberativos. Daí em diante, passaram a integrar esse órgão máximo das agremiações somente se eleitos pelas Assembléias Gerais, como quaisquer sócios comuns.
Esses preceitos foram ratificados e regulamentados, depois, pelo item 14 da Deliberação 05/77, do Conselho Nacional de Desportos, de 20/10/77 (DOU de 07/11/77).
Voltando à narrativa interrompida, frise-se que o processo de geração desses títulos patrimoniais, no entanto, tão logo verificado o êxito de sua colocação, foi corrompido por desvios de finalidade. Adquiridos ou não os terrenos, construídas ou não as obras, eles passaram a ser lançados à venda com o objetivo, puro e simples, de levantar meios para suprir o Caixa, depauperado, na maioria das vezes, pelas dificuldades dos custos do profissionalismo. Abusou-se da emissão deles, fazendo-se em séries sucessivas e infindáveis.
Evidencia-se que, dessa forma produzidos, desde logo tais papéis, antes vendidos e comprados por preços significativos, na prática deixaram de ter por lastro e referência tanto o acervo de bens da sociedade, quanto sua estimativa. Em decorrência dessa vulgarização, seus valores de face quedaram-se totalmente incompatibilizados com os limites quantitativos desse e seu parcelamento.
Em virtude dessa irresponsabilidade patrimonial evidente e manifesta, passou-se a lançar as entradas provenientes desses negócios pura e simplesmente em contas de resultado, como receita ordinária, atribuindo-se, como reciprocidade aos investidores, tal como literalmente constam em muitos desses diplomas, “direitos contratuais”, nada mais do que vagas menções a escassos privilégios pessoais de uso do patrimônio, quando tanto, sem nenhuma conotação econômica ou real. Em outras palavras: a contrapartida contábil do ingresso desses recursos no Caixa da sociedade, se algum dia foi levada à conta de alguma rubrica de ordem patrimonial, similar, talvez, à Conta “Capital” das sociedades mercantis, há muito deixou de sê-lo.
Os clubes, assim, muito cedo deixaram de dever a esses benfeitores por esses aportes, até porque no entendimento de ambos, investidor e tomador, jamais tal débito seria cobrado e, portanto, pago, exceção feita à hipótese de dissolução (extinção) social, idéia de per si abjeta a ambos (embora necessário levar-se em consideração pelos aspectos legais - Código Civil, Artigo 23).
Interessante observar que, embora confessadamente sociedades sem fins lucrativos nos estatutos, a regra legal geralmente neles lançada para regular a matéria pertinente à extinção e seus efeitos, não é a do Artigo 22 do Código Civil, mas a do Art. 23, relativa às sociedades civis de fins econômicos, dado invariavelmente atribuirem, ocorrida a hipótese de dissolução, exclusivamente aos portadores desses Títulos toda a herança patrimonial do clube.

Todas essas irregularidades e permissividades tornaram-se possíveis face as condições peculiares do mercado aquisitivo deles, composto na sua quase totalidade de amorosíssimos adeptos das agremiações. Por isso, a expressão econômico-financeira desses Títulos, em realidade, era o que menos importava. Nunca, em realidade, se especulou sobre o patrimônio bem-amado, visto que isto se constituiria numa heresia aos olhos desses amantes incondicionais.
Decorrência de tudo isso, hoje eles existem em número quiçá desconhecido e, justamente por tal razão, o seu valor presente nas entidades é de difícil fixação, não sendo mesmo do interesse da classe dominante o despertar de expectativas em torno do assunto, muito embora expressamente constem do estatuto, em geral, normas que atribuem a certos órgãos sociais representativos da Assembléia Geral, normalmente os Conselhos Deliberativos, o dever de periodicamente fixar-lhes os números. Incumbência não por acaso sempre esquecida.
Esta permanente ausência dos pólos de atenção do clube, todavia, não significa que tenham perdido a representatividade e a importância dominial que expressam, verificando-se apenas a necessidade de serem censitados e inventariados, bem como submetidos os seus valores individuais à definição do efetivo patrimônio líquido dessas agremiações (a riqueza que representam) para que se tornem nos elementos referenciais por excelência na apuração do efetivo domínio sobre esses patrimônios.
Saliente-se, por oportuno, que esses Títulos, na maior parte das vezes, referem-se a parcelas do acervo global da instituição, uma vez que frações ideais dele, e não a parcelas de algum segmento físico definido dos haveres totais. Daí que, nesse pacote, salvo os casos excepcionais em que se ajustam restrições contratuais expressas, estão incluídos todos os bens corpóreos e incorpóreos do clube, bem como os mobiliários e imobiliários, valendo dizer desde os direitos sobre a marca até os valores dos atestados liberatórios dos atletas, passando por estádios e etc.
De outra parte, registrada a irregularidade da alienação de parcelas do patrimônio contra a outorga de direitos dominiais sobre ele por parte de uma sociedade civil sem fins lucrativos, de caráter sócio-esportivo em geral, incumbiria examinar-se como - afastadas, por abstração, todas as demais atividades especulativas eventualmente exercidas por eles - desenvolve-se comumentemente a performance econômico-financeira dela, visando à auto-sustentação.
É de se ressaltar, por oportuno, a circunstância de que essas irregulares alienações de títulos não se constituem privilégios nem prática exclusiva dos clubes de futebol no Brasil. Em verdade, todas as espécies de associações de caráter esportivo-social - aí compreendidas as de tênis, golfe, vela e etc. - procedem da mesma maneira. E nem por isso deixam de apresentar-se ao público em geral, também, como faceiras e ingênuas sociedades destituídas de intuito de lucro.
Assim, o patrimônio (sede, estádio, terrenos e etc.) nasce, total ou parcialmente (quando há contribuição do Poder Público), pelo aporte dos recursos individuais dos sócios a um fundo comum (Fundo Social), recebendo os aderentes, em troca, títulos dele, expressos pelo valor equivalente ao ingresso inicial respectivo, em tese refletindo a correta repartição do valor global dos bens, o que lhes confere direito de uso privatístico destes. Até pelo fato de que (em tese), sem objetivo de lucro, tal patrimônio seria um fim em si próprio nessas sociedades, não um meio de, através de sua exploração, gerar mais patrimônio .Os custos de manutenção e conservação dele deveriam, por isso, e também em tese, ser cooperativados, isto é, rateados inteiramente pelos beneficiários habilitados (associados). As quotas particulares oriundas desse rateio de preservação denominam-se mensalidades e o seu conjunto forma as receitas ordinárias da entidade.
A penalidade pela mora ou inadimplência - estatisticamente inafastáveis e previsíveis nesse tipo de relacionamento - no pagamento de tais óbulos é a suspensão ou extinção do direito de utilização do patrimônio, sem que isso implique decaimento do direito de propriedade sobre o título original, isto é, sobre uma fração ideal daquele.
Com o advento de emergente insuficiência de receitas, motivada por tais moras ou inadimplências, obriga-se a sociedade a angariar novos sócios que nela ingressam com outros aportes ao Fundo Social. Como tais recursos incidentais só servem à reposição do valor dos evadidos, não para um efetivo aumento do patrimônio, dessa ação renovatória de captação social só resulta a divisão daquele por um número cada vez maior de comunheiros, com a evidente redução do valor real das quotas individuais de Fundo Social. Quer dizer: mais sócios para igual riqueza comum.
Esse aumento da demanda de uso, ao lado da diminuição do valor corrente do título patrimonial, desestimula os sócios pontuais e desinteressa o reingresso aos impontuais, aos quais se torna mais interessante negociar suas quotas no mercado a preços que concorrem com os ali colocados pela própria sociedade.
Para minimizar tais problemas, a sociedade cria, em seus quadros, categorias sociais diferenciadas, cujos integrantes, desobrigados de aquisição da quota inicial de Fundo Social, têm os mesmos direitos de utilização do patrimônio que os demais: chamam-se sócios contribuintes. Tais novos sócios, porque membros menos onerados da comunidade social, vinculam-se a ela de modo incidental e transeunte, geralmente enquanto seus interesses pessoais nos fins da sociedade sobrepujarem os ônus dos dispêndios mensais para mantê-los: por isso, as receitas daí derivadas - ordinárias - são aleatórias e devem ser encaradas com a devida reserva.
Obriga-se a sociedade, por tais razões, a viver de receitas apuradas entre as intermitências desses processos de depuração/arregimentação de sócios, cujos efeitos danosos à sua preservação assim se configuram:
a) Descaracterização de seu perfil social, nunca devidamente avaliado em suas potencialidades;
b) administração desavisada de seus cadastros, quase sempre desatualizados e mal informados;
c) descréditos de seus orçamentos e sua aventureira execução;
d) falência do sistema cooperativo como forma de sustentação de sua existência econômica.
À vista dessa falência, alternativamente se buscam outras fontes de recursos permanentes e a que primeiro avulta é a disseminação indistinta do uso do patrimônio, seja pelos sócios, de qualquer categoria, a preços subsidiados, seja por terceiros, a preços reais, através do arrendamento de próprios físicos da entidade, acrescido, muitas vezes, da locação de serviços disponibilizados por ela, direta ou indiretamente (terceirizados).
Essa nova destinação do patrimônio por si só desconstitui (note-se: sem qualquer ingerência de custos extras produzidos por departamentos específicos do esporte a que ela se dedica, de índole profissional) o ente jurídico civil, uma vez que o afasta de seu fim primeiro, o qual era o de existir para a exclusiva satisfação dos associados.
Ademais, essas práticas, porque efetuadas de forma contínua e em escala, qualificam esse patrimônio como suporte essencial de negócios de risco, uma vez que se torna disponível e concorrente em todo o mercado (e não somente no formado pelos sócios), induzido pela demanda do tipo de instalações dele componentes. Neste caso, ginásios, saunas e etc.
Em conclusão: pela necessidade de se obter matrizes financeiras alternativas para se auto-sustentarem, ingressam naturalmente tais sociedades no universo da competição mercadológica de bens e serviços, para isso usando o patrimônio para gerar mais patrimônio (lucro), ao completo arrepio do primitivamente contratado. Isto indubitavelmente é comércio, e o simples fato da inocorrência de distribuição de resultados pela instituição não faz civil os interesses em questão.
Ora, se isso acontece nas sociedades que, como se disse, não se dedicam a esportes de alto rendimento e muito menos de natureza profissional, com sobejas razões ocorre naquelas que, como as de futebol, têm no profissionalismo a sua essência e, mesmo, a razão de existir.
Desnecessário tergiversar sobre isso, tanto já se disse retro em tópicos e comentários sobre a questão.
De sorte que a conservação das cartas estatutárias desses clubes, com conteúdos que teimam, inobstante todas essas evidências, em definí-los como sacrossantas ou asséticas instituições civis, sem fins lucrativos, equivalente às religiosas, beneficentes ou culturais, não passam de falsidades explícitas e acintosas, posto que só o cinismo pode justificar tal situação e o esforço inaudito que se faz para assim deixá-las qualificadas. Se possível, para sempre.

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