quinta-feira, 6 de novembro de 2008

A QUESTÃO DOS DIREITOS DOS ASSOCIADOS DO G.F.P.A. NO PROCESSO DE FORMAÇÃO DO CAPITAL DA SOCIEDADE EMPRESÁRIA GRÊMIO S/A

(O presente texto teve por motivação uma das hipóteses de formatação do Projeto Arena, depois descartada. Pressupunha-se, quando foi aventada, a incoporação do Estádio Olímpico no capital social da Grêmio S/A. Inobstante, muitos dos conceitos emitidos, ali, restaram incólumes na compreensão do fenômeno negocial em cogitação)

Classificação das receitas comuns de uma sociedades civil, sem fins lucrativos, de caráter sócio desportivo – Categorias sociais

Os recursos aportados ordinária e regularmente pelos associados de uma sociedade civil, sem fins lucrativos, de caráter sócio-esportivo, observam dois destinos distintos, ou seja, a constituição do seu patrimônio global, formado por bens móveis e imóveis - sedes, estádios, pistas, piscinas, canchas, picadeiros, marinas e etc., com suas instalações e equipamentos, mais direitos de toda a espécie e gênero, tangíveis e intangíveis - e a sua manutenção, em condições de usufruto por aqueles.

Ao acervo global formado com os primeiros recursos aludidos muitas dessas sociedades os tem denominado, estatutariamente, “Fundo Social”. É o caso do Grêmio, nas primeiras de muitas cartas regentes que informaram a sua vida civil.

Como contrapartida aos aportes da primeira espécie, o clube aliena aos investidores frações desse Fundo Social, por preços rateados e proporcionais ao seu montante, em valores equivalentes aos dos respectivos ingressos individuais. De modo que aquele resta dividido pelo número de seus participantes. As parcelas fracionárias são representadas, geralmente, por cártulas-contrato – “Títulos de Fundo Social” - emitidas nesses ditos valores, geralmente homogêneos em cada lançamento, e são transmissíveis inter vivos , em mercado de balcão, ou causa mortis.

Nelas, confere-se a cada um de seus portadores o direito à propriedade sobre partes ideais do seu universo patrimonial, todavia exercitável somente quando da dissolução da sociedade, recaindo sobre o remanescente do acervo, se houver.Vale dizer: a aquisição se efetiva sobre o saldo dos bens existentes no patrimônio líquido apurado na ocasião da extinção.

Traduzem as cártulas, outrossim, além desses ajustes essencialmente bilaterais, aqueles multilaterais , referentes às relações associativas genéricas e seu regime político-social. constantes dos estatutos, isto é, condições de exercício dos direitos de usufruto privativo e gratuito (não necessariamente) dos bens havidos através desses recursos pela sociedade

Tratam-se, assim, de inequívocas propriedades, protegidas constitucionalmente e impositivamente integrantes de declarações anuais de renda, efetuadas ao Fisco, pelos investidores. Tal fato, outrossim, aproxima a situação desses associados da dos sócios quotistas de entidades comerciais, exceção da percepção de lucros (dividendos), porque às sociedades civis sem fins lucrativos não se permite a sua distribuição. Os titulares são denominados associados “patrimoniais” ou “proprietários”, inscritos individualmente em Livro Próprio e registrados pertinentemente na contabilidade do clube , à semelhança do que ocorre, nas sociedades comerciais, com os sócios de capital. São, enfim, credores latentes daquele ou, emblematicamente, “donos” do clube.

Os outros aportes de recursos, numa sociedade desse tipo, visam não à formação do seu acervo, mas exclusivamente a sua conservação. São patrocinados por outra espécie ou categoria de associados, os “contribuintes”, mas todos desobrigados de aquisição da quota inicial de Fundo Social, que o fazem através de ingressos mensais, contínuos e sucessivos, em valores módicos estipulados pela sociedade. Tal como os “patrimoniais”, no entanto, tem direito ao usufruto do patrimônio assinalado em igualdade de condições.

Os associados e o patrimônio do clube

Resta claro e lógico que tanto os investimentos na formação, quanto as contribuições para a manutenção desse patrimônio obedecem ao interesse específico desses associados na atividade sócio-desportiva correspondente , razão pela qual sua ocorrência só encontra justificativa enquanto integrado pelos bens necessários à sua prática.

De fato, ao associado de um clube, enquanto entidade esportiva dedicada ao futebol, por exemplo, tanto não interessam raias de remo, quanto não lhe interessam, enquanto sociedade civil, instalações hospitalares ou frota de ônibus.

No primeiro caso , obvia-se, o centro de seus interesses sócio-patrimoniais vincula-se precipuamente ao estádio, cenário de competições do esporte professado, se possuído, e objeto da freqüência justificativa dos valores investidos e pagos.

Em suma, a perda ou substituição do patrimônio físico ou imaterial do clube, destinado especificamente aos fins e práticas desse, dependendo de suas proporções ou do grau de mutação, pode tornar não só desinteressante a continuidade do processo associativo como mostrá-lo inviável, com desconfortáveis litigâncias judiciais por direitos desaparecidos ou frustrados, tudo passível , em grau superlativo, de fazer fenecer a própria sociedade , por desinteresse dos seus integrantes (de todas as categorias mencionadas), com a perda de seu objeto.

O Grêmio Civil e o Grêmio empresa – A permuta de ativos envolvendo o Estádio Olímpico

O Grêmio é uma sociedade civil sem fins econômicos, de cunho sócio-desportivo, voltado à prática do futebol. É integrado por “sócios patrimoniais” e “contribuintes”, com direitos e deveres assentados nos moldes acima assinalados.
Seu patrimônio - entre os quais situa-se o estádio como principal componente econômico, operacional e lúdico - pois, constitui-se , ao mesmo tempo, em (a) objeto de uso insubstituível e imprescindível de todo o universo associativo e em (b) reserva prelatícia de recuperação dos investimentos dos associados detentores dos Títulos de Propriedade citados, se eventualmente dissolvida ou extinta a sociedade,

Pretendendo o clube a criação de um braço comercial para aumentar o número de fontes de financiamento de suas atividades, se dispõe a constituir uma sociedade empresária vinculada, uma S/A de capital fechado, onde deteria a maioria absoluta de ações (99,00 %) e, por isso, o seu controle acionário.

Intenta, nesse desiderato, ingressar no capital dessa sociedade comercial mediante a incorporação do imóvel – transmissão do domínio - constituído de seu estádio e sua área superficial, ainda que temporariamente retida a sua posse. Isso, de pronto, significa que estará retirando do seu patrimônio, para destinação à S/A. o seu principal , maior e mais significativo componente , sob todos os aspectos que se o encare.

Trata-se de bem de raiz, infenso a emprego em manobras especulativas financeiras e seus riscos, dentro do quadro operacional ordinário da entidade, afinado com seus fins estatutários. Nela atua a custos conhecidos e dimensionados - inclusive depreciações - como fonte, livre, de receitas permanentes e certas, desde a sua construção, há muitas décadas. Além de sustentáculo, como garantia de lenta excussão, de trâmites elongados em pleitos judiciais onde e quando o clube, como parte passiva, tenha esse interesse.

Colocará, em seu lugar ações da novel empresa, ou seja, participações societárias. Bens de natureza, consistência, características e dinâmica totalmente diversos, porque ativos residentes num outro mercado, o de capitais, absolutamente estranho à operacionalidade e ao manejo ordinários de uma sociedade civil sócio-desportiva, dedicada ao futebol.

Isso, por si só, no entanto, não invalidaria o mérito da empreitada. Em nível de pura conjectura, talvez a recomendasse um bem intencionado desejo do clube de obtenção de maior rentabilidade para o volume de capital hoje sediado no seu ativo permanente e representado pelo estádio.

Reflexos da permuta nos direitos e interesses do quadro social

Importa , sim, nesse breve estudo, é ver-se os reflexos disso no âmbito do quadro social global do clube, formado essencialmente por “patrimoniais” e “contribuintes”.

O principal é fácil observar-se: perderá, ainda que a médio prazo, a razão imediata de seu interesse associativo, posto que não mais poderá usar o estádio como sede de seu lazer e exclusiva fonte de reciprocidade de suas contribuições. À parte as implicações emocionais e evocativas aí também embutidas, vê-se, no campo dos direitos objetivos, que um dos dois principais mencionados retro, ou seja o da utilização do patrimônio , desaparece com essa mutação, apontando para a extinção do vínculo social dada a falta de razão de ser. Não se freqüentam ações.

Especula-se em ações.


O ato de ingresso associativo de qualquer pessoa numa sociedade civil de cunho sócio-desportivo, voltada ao futebol, com a inerente assunção de obrigações contributivas periódicas ou aplicativas, diz com o seu exclusivo interesse na freqüência ao estádio, nada tendo a ver com trâmites acionários ou com atos especulativos sobre participações societárias pela entidade em outra.

Até porque de tais procedimentos não extrairão vantagem alguma, posto que os eventuais lucros líquidos obtidos pela S/A, objetos de dividendos e bonificações., não poderão ser repassados e distribuídos aos associados do clube, dada a sua natureza civil. Vantagem, só para aquele, não para esses, os que formaram ou ajudaram a manter o patrimônio especulado até a sua floração como investimento, numa situação veramente surrealista, senão usurpativa.

No que diz com os direitos dos associados patrimoniais, dois distintos, agrava-se particularmente a situação. Evidente que também ver-se-ão de frente com o problema do uso do estádio e o vazio deixado com sua evasão.

Mesmo admitindo-se a ponderação, justeza e equivalência de valores nessa troca, percebe-se a profunda alteração que tal operação trará para eles, eis que credores de frações desse patrimônio e, como tal, necessariamente inscritos nas dobras escriturais do clube como herdeiros universais de seu saldo de haveres, por ocasião e em caso de sua dissolução e /ou extinção Ver-se-ão contingenciados a aceitar uma troca de substância significativa no objeto mediato desses investimentos (a aquisição dos bens), nessas circunstâncias.

Sai o Olímpico, imóvel, e entram ações, móveis por definição legal, com a mobilidade de sua circulação e a volatilidade das oscilações valorativas, ditadas pelo ignoto mercado da espécie. Resta claro o aumento de riscos para a associação e, por extensão, aos seus integrantes. Ou, no mínimo, o ingresso indigesto e desconfortável, porque compulsório e aventuresco, em ambiente totalmente estranho àquele por si dominado e, pior, absolutamente refratário aos propósitos que nortearam a sua primitiva constituição.

O caso, de certa forma, assemelha-se àquele da transformação das Associações de Poupança e Empréstimo, sociedades civis, em Sociedades de Crédito Imobiliário, sociedades comerciais, ocorrido a algumas décadas no nosso mercado financeiro ordinário, sob os auspícios do Banco Central. E que originou uma série enorme de questões e conflitos, até ser finalmente solucionado, anos depois.

A operação de permuta de ativos e a legitimidade dos seus patrocinadores

Isso, ocorrerá de forma discricionária. Quer dizer, sem que possam tais associados manifestar-se a respeito de fatos a que não deram causa e nem dele participaram, aceitando-os ou não.

É que acham-se, em tese, estatutariamente impedidos de esgrimir sua eventual inconformidade com tal câmbio.

De fato, os chamados “sócios patrimoniais” não têm vez ou voto privativo no clube. Como não têm em nenhum outro no país. As razões disso remontam ao antigo regime jurídico que norteou, em particular, as atividades do desporto profissional brasileiro no vasto período intermédio entre o início da Segunda Guerra (DL 3199, de 14/04/1941) e a Constituição Federal de 1988, e que, de forma ignominiosa, vem sendo mantido nas cartas estatutárias de todos os clubes no Brasil, depois dela.

Desde mais de meio século, as oligarquias instaladas nos governos dessas entidades, com o perverso apoio do poder público através da edição das normas então regentes da matéria, ornadas por outros artifícios jurídicos ( há, até, um Parecer encomendado pela Federação Carioca de Futebol a Pontes de Miranda, datado de 15/12/1952, tutelando a usurpação) , subtraíram-lhes os direitos políticos individuais, exclusivos ou majoritários,

São representados na organização jurídico-política pelos Conselhos Deliberativos, formados, em sua maior parte, por associados de categorias associativas diversas, algumas meramente honoríficas , outras curriculares, como os “contribuintes”, e até pelos “proprietários” de cadeiras, de vínculos de outra natureza.

A tais Conselhos, mercê de construções estatutárias individualizadas em cada clube e generalizadas em todos eles até hoje, se confere o direito exclusivo de autorizar ou vetar, por percentuais de sua maioria absoluta presente ( 2/3 no caso do Grêmio), nos negócios destes envolvendo o patrimônio, a alienação e/ou oneração dos bens imóveis dele integrantes.

Conclui-se que estes, tendo sido adquiridos, como todos os demais de outro gênero, via recursos aportados unicamente– afora doações – pelos “sócios patrimoniais”, são disponibilizados nessas associações segundo o arbítrio dos componentes desses órgãos, onde tais investidores são minoritários absolutos e onde a maioria nada tem a ver com a formação dos ditos patrimônios.

Inobstante construtores da grande obra histórica de sua formação, algumas formidáveis, vêem-se atrelados à vontade dessa maioria descompromissada, no destino de parte ( geralmente a maior e melhor) daquilo que eles próprios, exclusivamente, ajudaram a erigir.

Os efeitos das decisões do Conselho Deliberativo sobre a permuta de ativos

As decisões dos Conselhos Deliberativos sobre tais bens, contudo, esparge efeitos para além dos direitos e interesses próprios desses clubes, aos quais pertencem legitimamente como propriedades. Atingem, também, os de seus associados patrimoniais, que os tem não apenas ordinariamente , como objeto de usufruto pessoal, permanente e indefinido, mas também - e , quiçá, sobretudo -. extraordinariamente, como derivados de aquisição, ainda que de cunho aleatório, de frações do patrimônio, acaso extinta ou dissolvida a entidade.

A preservação da incolumidade físico-jurídica do patrimônio, valendo dizer, sua natureza , extensão e etc., constitui-se legítima pretensão deles. Vale mencionar, por exemplo, a afetação de tais negócios no valor dos títulos, perfeitamente negociáveis em mercado de balcão, embora este se mostre secundário, ignorado ou desprezado no nosso meio comercial curricular.

Nos cânones do direito societário, dos contratos multilaterais de sociedade e sob o regime estatutário, no entanto, estão aparentemente impossibilitados de darem curso a essa pretensão, acaso se lhes pareça inconveniente ou prejudicial as decisões de alienação ou oneração.

É que, como viu-se, nessa esfera, cabe ao alvedrio das Direções Executivas , no exercício de seu múnus administrativo, os poderes de gestão e disposição dos ativos imobiliários, apenas contingenciados pelo crivo dos Conselhos Deliberativos. Isso permite a esses órgãos incorrer também em eventuais erros negociais, com prejuízo da sociedade, sem que, com isso, se possa , em tese, imputar-lhes a responsabilidade de qualquer gênero pelos reflexos de tais ações predatórias nos direitos dos ditos associados “patrimoniais”, antes citados.

Assim, sob o exclusivo pálio estatutário, a integralização de capital do clube na sociedade empresária, via incorporação do estádio, patrimônio imobiliário, significando a alienação do domínio daquele, restaria de livre decisão daqueles órgãos e passaria distante de interferência ou poder de veto desses associados patrimoniais. independentemente da ocorrência da contrapartida em ações da S/A., e da substituição de ativos daí decorrente.

Admitida a inconformidade de algum deles com a permuta de ativos desse negócio resultante, estádio (imóvel) x participações societárias (ações), e tendo em conta o fato de que tal transação não extingue a sociedade, mas apenas muda o perfil de seu patrimônio presente, poderiam eles opor-se a isso, já, de forma concreta ?

O regime jurídico especial que tutela as relações dos associados patrimoniais e o clube

A resposta encontra senda é na natureza do vínculo jurídico especial – não multilateral, estatutário, mas bilateral contratual - que envolve o clube e os associados patrimoniais, portadores de Títulos de Fundo Social.

Esses interesses e direitos extraordinários não se esvaem porque remotamente manejáveis, dadas as condições extremas e aflitivas de seu exercício, o fim do clube. Eles remanescem por toda a vida deste, estando acobertados não apenas pelo pacto social, multilateral, espelhado nos estatutos ( art. 110) e em lei (Art. 61, caput e § 1º, cc.§ único do art. 56, do Código Civil ), mas , principalmente no artigo 460 do mesmo CC .

Com ele avençaram, em cláusulas insertas em contratos bilaterais de compra e venda , a aquisição de frações do seu patrimônio, quotas do Fundo Social. Ainda que não comutativos, porque aleatórios, tais contratos obrigam o vendedor à entrega dos bens residuais ao comprador, se existentes, ocorrida a circunstância da álea, a dissolução da sociedade.

Embora esta não se evidencie com a simples permuta de bens do ativo, os seus substitutos, em qualquer momento da gestão administrativa, hão de compatibilizar-se com os fins sociais, vez que os recursos primitivamente aportados o foram para a constituição de um patrimônio adequado e conveniente não só à prática específica – o futebol - como presumivelmente não o seriam se se afeiçoasse a outro tipo de atividade, de cunho esportivo ou não, civil ou comercial.

Destarte, se a Direção, plenipotenciária relativamente à disposição do Fundo Social, com a conivência do Conselho Deliberativo, investe os recursos destinados à formação desse acervo peculiar em negócios outros que não aqueles para os quais foram destinados pelos investidores em função do anúncio dos estatutos, estará excedendo, porquanto os efeitos disso poderão se refletir por ocasião da configuração da álea, a dissolução.

Os bens eventualmente remanescentes, tangíveis ou não, pois, não deverão ser de natureza estranha ou mesmo refratária àqueles que se pretendeu , com os aportes, servissem aos objetivos do clube, enquanto entidade civil, sem fins lucrativos, de cunho sócio-desportivó.

Os entraves – Os fins não econômicos do Grêmio

De pronto, no caso específico, caberia contestar, na liquidação dos salvados, a existência neles de ações de sociedades anônimas vez que, decididamente, por não ter fins econômicos, não poderia a Direção investir nelas,

De plano, portanto, a considerar o conflito entre os fins sociais do clube controlador, que rezam, no intróito nos seus estatutos, não possuir tais finalidades, com as tipicamente encartadas nos contratos constitutivos de um organismo comercial.

Como se sabe, tal tipo de empresa visa exclusivamente o lucro e, portanto, quase todo ele – no caso em tela - se houver, será destinado ao seu sócio maior. A finalidade, pois, imediata desse investimento em ações daquela, será essa, o que se dará via o desenvolvimento das atividades por ela exercidas, sob tutela e a benefício exclusivo do controlador, com a distribuição dos seus resultados econômico-financeiros positivos, mercê de dividendos e bonificações,
.
Quer dizer: lucro para o clube, que, por definição, não pode buscá-lo como fim de seu metier.

Dispõe o artigo 1º dos Estatutos do Grêmio que ele é uma associação de prática esportiva, sem finalidade econômica ou lucrativa.

Dir-se-á que, inobstante tais disposições, às associações não se veda a pratica de atos que visem lucro, comerciais, desde que esses não sejam distribuídos aos seus componentes e não tenham caráter de habitualidade. Mais, não se configurem como objetivo primacial delas, em detrimento daqueles que efetivamente a definem no concerto das sociedades em geral. Tais operações visariam utilizar-se o patrimônio – Caixa e/ou outros haveres – para gerar mais patrimônio ou simplesmente sobreviverem. Doutrinadores e significativa corrente pretoriana abraçam a idéia.

[Esse, todavia, não seria o caso dos clubes de futebol no Brasil. Sequer poderiam ser encarados como sociedades simplesmente comerciais.Essas entidades, desde o advento do profissionalismo em nosso país, mais ou menos por volta do Estado Novo, há setenta anos, já são empresas. Noventa por cento, aproximadamente, de suas atividades, hoje, são mercantis ou mercantilizadas, envolvendo, além de significativos investimentos patrimoniais, múltiplas receitas e despesas daquele gênero. Exploram a promoção e execução de espetáculos públicos pagos e de direitos televisivos, a locação da marca contra o pagamento de royalties, a compra e venda de material esportivo e de direitos federativos de atletas profissionais ( antigos “passes”), as concessões e locações de serviços e bens em escala habitual, os jogos de azar – em desuso atualmente – e por aí adiante. O que, definitivamente, não empolgam é o tipo jurídico-societário com que se apresentam no mundo social onde orbitam. No elenco de suas práticas quotidianas restam muito poucas delas com a natureza civil (mensalidades e aquisições de títulos, provenientes dos associados), tal como o desenhado nos estatutos que ainda conservam vigentes e que moldaram, no seu nascimento, as intenções primitivas de seus fundadores. O fato é que, por um desses absurdos que freqüentam nossos ordenamentos jurídicos, os clubes brasileiros remanescem sociedades civis, sem fns lucrativos, até hoje]

Destarte, por tais permissivos, se facultaria ao clube investir em ações empresariais, sem que, com isso, se violassem os seus estatutos, apesar desse negócio se inserir entre os vários outros, de mesma natureza especulativa, que moldam, em sua maioria, as hoje quase totais atividades do clube, conforme o aludido nas observações acima.

No entanto, registre-se, só por isso, por ser mais um entre tantos semelhantes negócios voltados à mercância, não se enquadraria o investimento em questão entre aqueles abrigados nas tolerantes teses doutrinárias e jurisprudenciais antes mencionadas.

Os entraves – a saída do Estádio Olímpico do patrimônio

A situação se torna menos permissiva, todavia, pelo fato de que a integralização se faria mercê não apenas de investimento financeiro ordinário, com os recursos do Caixa, afinal existentes para o movimento geral de negócios do clube e motor de seu dia a dia operacional, mas através da incorporação (alienação) do imóvel que se constitui não só no bem de maior valor , dentro do patrimônio, como aquele que confere razão de ser a todo o processo associativo.

Altera-se o perfil de um acervo que se supusera erigido em função exclusiva do esporte, atividade tipicamente civil , e não da especulação financeira.

Nesse passo, não colhe efeitos a alegação de que economicamente não se perderia nada, eis que o valor das ações faria equivalente a troca. O tema já foi abordado à exaustão, retro.

Viola-se os estatutos com a efetivação de um negócio por ele vedado e, ao mesmo tempo, retira-se do clube o objeto quase único do direito de usufruto de seus associados de todas as categorias. Impõe-se-lhes , assim, um minus radical inquestionavelmente depreciativo em seus interesses sociais. Uma situação não só de piora, nesse aspecto, mas, também, de verdadeiro extermínio, a conduzir à resolução da avença associativa.


A respeito, rezavam os estatutos de 1928, aqueles em que se autorizou a emissão dos primeiros 1000 Títulos de Fundo Social, no Grêmio:

Art. 73 – Os bens imóveis do Club só poderão ser gravados ou alienados quando isso for de seu notório interesse.
§ 1º - Omissis.
§ 2º - O produto de tais operações será aplicado exclusivamente no aumento ou melhora do patrimônio social.

Nada há de “melhora” , nessa transmutação de ativos, para os associados “contribuintes” ou “patrimoniais” de um “Club” de futebol. Quisessem lucros, e não prazeres lúdicos, aplicariam nas Bolsas de Valores.

No caso particular dos associados patrimoniais, a questão capitaliza obstáculos, por dois motivos.

O primeiro reside num dispositivo finalístico constante do artigo 76 dos mesmos estatutos, que reza:

Art. 76 – As importâncias provenientes da venda dos Títulos de Fundo Social só podem ser empregadas exclusivamente em melhoramentos materiais do Club, de acordo com orçamento e plano previamente aprovados pelo Conselho Deliberativo ou no pagamento de quaisquer dívidas que onerem os bens sociais.

Ações, enquanto bens imateriais e insubmissos a orçamentos, não se enquadram aí. E o que o Grêmio vai fazer, com a integralização, não é pagar débitos, mas sim, investir.

O segundo, diz com a circunstância tão repisada nesse estudo, de deterem direitos sobre o saldo dos bens do patrimônio, por ocasião da dissolução da sociedade, uma vez ocorrentes ambas as hipóteses.

Efetivada, agora, a transmutação de ativos, imóvel x participações societárias, estádio x ações, esse câmbio poderá, ou deverá, refletir-se lá, nos rescaldos pertinentes, alcançando a compra e venda aleatória, bens que (a) não teriam sido objeto de suas intenções aplicativas originais; (b) não teriam sido havidos com sua anuência expressa ou mesmo intervenção tácita; (c) teriam sido adquiridos à revelia de disposições estatutárias e legais.

Em síntese, os associados em tela teriam adquirido, mesmo sujeitos à álea, frações de um patrimônio definido e afinado com a sua boa fé objetiva, e iriam receber fatalmente frações de outro.

Mesmo que tal mudança tivesse acontecido sob os auspícios de uma regular competência estatutária e , por isso, inserida na atribuição ordinária de poderes ali conferida a quem a operou - Direção Executiva e Conselho Deliberativo – não se configura subsistente ante as responsabilidades contratuais bilaterais do clube, assumidas para com seus associados da espécie, quando do ato aquisitivo desses bens (Títulos).

Os direitos desses são pessoais, privativos, e provém do contrato de compra e venda, não do contrato de sociedade. Tais órgãos clubísticos, nessa esfera, não tem poderes para representá-los aí , nesse especial cotejo de direitos e interesses , clube x investidor.

Trata-se pois, de violação contratual.

Que se resolverá necessariamente, ante a eventual irreversibilidade do negócio agora efetuado,em perdas e danos.

Os entraves – A questão das garantias

De outra parte, ainda no campo dos direitos dos associados patrimoniais, é de observar-se o que dizem os artigos abaixo relacionados acerca deles, constantes do mesmo estatuto onde foram criados, primitivamente.

A primeira emissão deles, pelo Grêmio, data do início da década de 30 e resultou da necessidade do alcance de valores para a cobertura de custos de melhorias no velho Estádio da Baixada. Emitiram-se, então, 1.000 deles, ao valor, cada um, de 1:000$000.

Dita emissão foi votada e aprovada pela Assembléia Geral dos associados em data de 23/11/1928 e consolidada via alterações de 25/05/1932, contendo, cada cártula- instrumento de contrato, entre outros, os seguintes direitos e obrigações, todos eles referendados nos estatutos de então:

a) Os investimentos individuais seriam garantidos por todos os haveres da entidade, devendo cada adquirente constar de registro em livro especial, numeração individual (art. 3º, $ 1º).

b) qualquer reforma subsequente não poderia atingir as garantias oferecidas pelo referido estatuto aos proprietários de Títulos de Fundo Social (Art. 24, § Único).

c) os bens imóveis do clube só poderiam ser gravados ou alienados quando autorizados pelo CD mas, assim mesmo, depois de autorização da AG (art. 73, § 1º).

Observa-se, assim, que o direito ao recebimento dos salvados do patrimônio, pelos associados proprietários, à ocasião da dissolução da sociedade, se existissem aqueles e se ocorrida esta, desde já estariam garantidos pelos existentes à época da contratação ou, se modificados, com eles consectâneos ou afinados, não apenas em valor, mas na espécie, então suposta e devidamente considerada e avaliada.

Garantia essa evidente e igualmente submetida à álea ajustada.

Ora, se assim é, como alterar a natureza jurídica, econômica e social delas agora, substituindo-a por outras inconciliáveis com as razões dos investimentos, processadas à revelia e infringentes à ordem legal ?

Legítima e inquestionável a insubordinação dos credores com essas alterações unilaterais da garantia originalmente ofertada pelo clube, de forma livre, espontânea e expressa, como um dos veículos de sedução dos interessados nas aplicações de recursos então absolutamente necessários a seu desenvolvimento patrimonial.

CONCLUSÕES

Por todo o exposto, conclui-se que a sociedade empresária que o Grêmio Civil quer constituir, incorporando como capital social o Estádio Olímpico, passa pela prévia resolução dos direitos e interesses de todos os seus associados, patrimoniais e contribuintes. Os primeiros por dois motivos e os outros por um.

Tudo leva a crer que seria legítimo direito dos associados do clube, em geral, e dos associados patrimoniais em particular a, se assim entenderem, oporem-se a integralização do capital da Grêmio S/A. pelo Grêmio Civil, mediante a incorporação do Estádio Olímpico..

Estabelecido o conflito de interesses, e impedidos os prejudicados de manifestarem-se a respeito nos moldes da ordem estatutária, porque tema atribuível à competência da Direção Executiva, com respaldo do Conselho Deliberativo, restar-lhes-ia o caminho judicial, objetivando ou a determinação imediata de sustação do projeto ou a resolução dos contratos associativos em perdas e danos.

Ainda que de curso ordinário, tais pleitos estão, como todos os demais que se inserem no abrigo de nosso ordenamento processual civil, passíveis de alcançarem antecipações de tutela, se, antes, não o estiverem por cautelares de qualquer espécie.

E, se acontecerem, obstrui-se de vez todo um projeto que vai , para o clube, muito além da simples constituição de uma sociedade empresária, atingindo, na raiz, o sonho ARENA.

Basta um pleito solitário, para isso.

Mesmo que as teses acima elaboradas careçam de substância, não se pode negar a esses associados inconformados deduzirem tais pretensões em juízo fundados ou não nelas, subsistentes enquanto não definitivamente solucionadas pelo Judiciário, o que pode demorar alguns anos.

No caso dos Títulos de Fundo Social, a permanente ausência dos polos de atenção das agremiações, como um todo, não significa que tenham perdido a representatividade e a importância dominial que expressam, verificando-se apenas a necessidade de serem censitados e inventariados, para, em seguida, convocar-se os seus proprietários - por Edital ou outras formas de comunicação – a fim de que não só se manifestem a respeito, aceitando ou não a permuta de ativos, como acolhendo, ou não, adredes propostas de composição dessas lides em potencial.

Essa composição, previamente estudada e preparada, haverá de ter por base indenizações e/ou compensações em substância e consistência suficientes à prestação de contra garantias eventualmente exigíveis pelo Judiciário para admitir, no caso de recusa absoluta do associado na aludida permuta, o eventual curso ordinário dos processos , sem o travamento dos provimentos tutelares antecipados ou cautelares.

Por fim, a registrar que, há meses passados, precisamente em data de 09 de novembro de 2007, enviei ao dd. sr. Presidente do CD do Grêmio, para encaminhamento ao CA – o que foi efetivado – correspondência onde parte daquilo que aqui se abordou está lançada, tudo objetivando o alerta para as situações descritas.

Porto Alegre, 10 de março de 2008

Antonio Carlos de Azambuja

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